Em 1958, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu o termo "acidente" como um acontecimento independente da vontade humana, provocado por força exterior que atue rapidamente sobre o indivíduo, com conseqüente dano físico ou mental (BATIGÁLIA, 2002).
A ocorrência de acidentes é tão antiga quanto o aparecimento do próprio homem e podem ocorrer na rua, em um shopping, e até mesmo dentro de casa. Se falarmos de situações nas quais se pratica atividade física, em academias, nos parques e, principalmente, na escola, o risco de acidentes aumenta ainda mais.
As pausas entre as aulas ou a "hora do recreio" representam um momento de tempo livre e, em geral, os alunos aproveitam para brincar. Muitas vezes essas atividades provocam acidentes, que são naturais nessa faixa etária, mas que podem deixar seqüelas irreversíveis caso não tenham o atendimento adequado.
As aulas de Educação Física (EF) também representam momentos em que os alunos executam movimentos ou atividades nas quais podem ocorrer vários tipos de acidentes, sejam por uso indevido de materiais, aparelhos, vestimenta ou mesmo o contato físico.
Na escola, muitas vezes, o professor de EF é solicitado a comparecer no momento em que ocorre uma emergência ou acidente com os alunos. Mas, será que o professor está preparado para esse tipo de emergência?
A falta de preparo da comunidade escolar e dos professores impede o auxílio na hora em que ocorre o acidente e podem causar conseqüências graves para o aluno, prejuízos para o professor e para a escola.
Será que existe nos cursos de licenciatura e graduação uma disciplina que trate dos assuntos de socorros de urgência nas escolas? Quais os procedimentos adotados quando um aluno sofre algum tipo de lesão nas aulas ou nas dependências da escola? Quais são os principais motivos dos acidentes? Essas perguntas nortearam e motivaram esse trabalho de pesquisa.
Desta forma, a proposta deste trabalho foi verificar junto aos profissionais da EF:
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quais as principais causas de acidentes nas aulas de EF;
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quais são os procedimentos adotados pelo professor de EF e pela escola frente a acidentes nas aulas;
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qual a orientação que o profissional teve em seu curso de formação quanto aos socorros de urgência e;
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qual a percepção do profissional sobre a importância dos conhecimentos e procedimentos de pronto atendimento nas escolas e na prática de atividades físicas em geral.
Para que os objetivos fossem alcançados foi necessário realizar um detalhado estudo das informações obtidas através da literatura e principalmente das entrevistas com os profissionais de EF, conhecer os procedimentos e a percepção desses professores sobre primeiros socorros.
Revisão de literatura
A Legislação e os acidentes na escola: direitos e deveres
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), esclarece no artigo quarto que é dever da família, da comunidade e do Poder Público assegurar, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação e à educação. Garante, dessa forma, às crianças e adolescentes a "primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias" (p. 1-2).
Liberal (2005) alerta que a questão dos acidentes e violências é um grave problema de saúde pública e que diversas instituições particulares e públicas vêm tomando iniciativas para assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes. Um acidente que ocorre na escola pode gerar vários transtornos para a instituição. Além da responsabilidade legal, o professor ao atender um acidentado, abandona os outros alunos, situação que facilita a ocorrência de outro acidente durante a sua ausência. Outro problema que surge nessa situação é o período que os outros alunos permanecerão sem aula o até a sua volta. (GONÇALVES, 1997).
O Código Penal Brasileiro, artigo 135, (BRASIL, 1940), esclarece que deixar de prestar assistência, à criança ou não pedir socorro da autoridade publica, é passível de pena – detenção de um (1) a seis (6) meses ou multa. "A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplica se resulta a morte" (p. 82).
A Escola é segura?
Liberal (2005) relata que a Organização das Nações Unidas (ONU) fundamenta que o conceito de segurança humana deve estar centrado no desenvolvimento do ser humano, abrangendo a segurança de todos os cidadãos no seu cotidiano: nas vias públicas, no trabalho, na escola, no lazer, no lar.
Crianças e adolescentes tendem a passar aproximadamente um terço do dia na escola e no caminho em direção a ela. O Censo Escolar de 2006, realizados pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) contabilizam aproximadamente 55,9 milhões de crianças e adolescentes matriculadas nas diferentes etapas da educação básica (BRASIL, 2006).
Quando falamos a respeito de escola, prevalece uma idéia de ambiente seguro, entretanto, muitos recintos na escola, como as escadas, os corredores, o pátio e, principalmente, a quadra esportiva, são palco de diversos acidentes.
Harada (2003) faz referência a uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, que aponta que, a cada ano, 3,7 milhões de crianças sofrem acidentes nas escolas. Outra investigação realizada em 20 escolas participantes do projeto Unimed Vida, na cidade de Blumenau, no ano de 2000, revela que, dos 287 acidentes registrados no período de um ano, verificou-se que 117 (41%) deles ocorreram na quadra esportiva. A maior incidência de acidentes (55%) aconteceu durante as aulas.
Collucci (2006) apresenta dados de uma pesquisa feita em 23 escolas públicas e privadas de São Paulo: 78% de crianças vítimas de acidentes se machucaram com adultos por perto. Esse trabalho, realizado pela ONG Criança Segura e pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mostra a importância de estar preparado para atuar em uma emergência.
Uma prática muito adequada é que se observem princípios gerais com vistas a evitar a ocorrência de acidentes. Pode-se citar, entre outras, a periculosidade dos pisos escorregadios ou das divisões de ambiente com superfícies envidraçadas (GONÇALVES, 1997).
As aulas de EF
Wharley e Wong (1999) advertem que a maioria das lesões acontece durante a participação em esportes de recreação, e não em competições atléticas organizadas, e que lesões graves podem ocorrer durante a prática de esportes de contato intenso ou com pessoas que não estão fisicamente preparadas para a atividade. Os autores lembram, ainda, que a própria atividade impõe um risco em maior ou menor grau, mas o ambiente e o equipamento para o esporte ou para a recreação comportam riscos adicionais.
Flegel (2002) relata que, embora a preparação e a manutenção da área de jogo possam ser responsabilidades de outros funcionários, ainda assim é do profissional de EF a responsabilidade de verificar a segurança. Sujeira, pisos escorregadios, traves quebradas, quadras esportivas desgastadas e vários outros problemas podem causar lesões nos alunos.
Com o passar do tempo e devido às boladas, gradis e alambrados desprendem pontas de arames e, portanto, fazem das quadras esportivas um local de risco. Equipamentos e instalações devem ser adequados à maturidade dos participantes. As crianças devem ser ensinadas sobre as regras dos jogos e lembradas que muitas regras existem para a sua segurança (EUPEA, 2002).
O profissional da EF deve estar preparado para agir de maneira eficiente, segura e adequada frente a um acidente que possa ocorrer em sua prática pedagógica. Não se pode aprender como se preparar para as lesões pelo método de tentativa e erro (FLEGEL, 2002).
A EUPEA (Associação Européia de Educação Física) traz, em seu "Código de Ética e Guia da Boa Prática de Educação Física", seção B, item 8, as seguintes informações a respeito de segurança durante as aulas:
-
Professores de Educação Física e outros professores envolvidos na organização de atividades esportivas ou times devem ter conhecimento de Primeiros Socorros ou direto acesso a outros que tenham esse conhecimento...
-
Toda atividade física deve ser governada por um claro e largamente conhecido e entendido procedimento de emergência (EUPEA, 2002).
O fato de lidar fundamentalmente com o corpo e com o grupo faz com que o aluno, ao enfrentar dificuldades e ansiedades relacionadas à saúde, procure o professor de EF, e não o professor que ensina gramática ou álgebra (GONÇALVES, 1997).
Ocorre, muitas vezes, que a falta de conhecimento em primeiros socorros leva professores de EF a optarem por não intervir diretamente no auxílio ao aluno até que seja inevitável sua atuação, como no caso de acidentes que tragam risco de morte.
Primeiros Socorros: atitude e disciplina curricular
De acordo com Gonçalves (1997) e Dib (1978), as primeiras providências, que podem ser tomadas enquanto não chega auxílio médico, são fundamentais para que se possa salvar uma vida. A essa intervenção o segundo autor dá o nome de primeiros socorros.
Para Garcia (2005), primeiros socorros não se resumem a procedimentos técnicos; uma pessoa pode prestar primeiros socorros apenas conversando com a vítima ou improvisando instrumentos.
Brasil (2007) mostra, no Cadastro das Instituições do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que, no Município de São Paulo, existem cadastrados trinta e dois (32) cursos de EF, em dezoito (18) Instituições de Ensino Superior.
Em sondagem assistemática, junto às faculdades de EF, através dos sites, constatamos que 83% dessas instituições oferecem a disciplina Primeiros Socorros ou outra disciplina que contém o assunto de socorros de urgência em sua grade curricular.
Parece existir também uma preocupação em preparar todos os profissionais da educação para a prevenção de acidentes e atendimento de emergência nas escolas. Dessa forma, a Secretaria Municipal de Saúde do município de São Paulo desenvolveu o Manual de Prevenção de Acidentes e Primeiros Socorros nas escolas, que é utilizado em cursos para profissionais de ensino (SÃO PAULO, 2007). Para reduzir os índices de acidentes em escolas públicas, funcionários estão passando por um curso de capacitação, orientação e primeiros socorros e também noções de salvamento em casos de acidentes.
Material e métodos
Para a pesquisa de campo foram entrevistados vinte e cinco (25) professores de EF de 74 escolas públicas do ensino fundamental no Município de Barueri. Dos profissionais consultados 14 eram do sexo feminino e 11 do masculino, formados a mais de 5 anos, com idade média de 36,5 anos.
Temas geradores utilizados nas entrevistas sobre Primeiros Socorros
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É formado (a) há quanto tempo ?
-
Quais as principais causas de acidentes nas aulas de Educação Física?
-
Caso tenha prestado algum tipo de socorro fora de sua aula, pode dizer o que precisou fazer nessa ocasião?
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Durante sua aula um aluno sofre um corte ou tem uma convulsão. Qual a sua atitude nessas duas situações? Qual o procedimento da escola no caso de acidente com aluno?
-
Em seu curso de formação havia alguma disciplina que ensinava técnicas de Primeiros Socorros? Acha que o conteúdo ministrado foi suficiente?
-
Após se formar participou de algum curso de primeiros socorros? Acha se tratar de um assunto relevante para sua profissão e que seria importante que tivessem cursos de aperfeiçoamento sobre primeiros socorros?
-
Sabe dizer qual é o tipo de pena previsto no Código Penal para os casos de omissão de socorro?
Foram realizadas entrevistas com temas geradores, a respeito das causas dos acidentes na escola e nas aulas de EF, sobre os procedimentos que são adotados nessas situações e a percepção do profissional sobre a importância do assunto.
A opção por uma investigação qualitativa, com o uso de entrevista semi-estruturada, tem como base os esclarecimentos de Tibeau (2001), que concorda com diversos autores sobre a riqueza de pormenores que a entrevista pode fornecer ao pesquisador. As descrições do entrevistado revelam seu modo de encarar o mundo e a relação interpessoal que se estabelece entre pesquisador e entrevistado são fatores essenciais para extrair informações relevantes. Entender a visão dos sujeitos em seu contexto de trabalho proporciona respostas sob sua perspectiva pessoal, levando-os a expressar livremente suas opiniões.
As entrevistas aconteceram nas escolas durante o horário das aulas e todos os professores convidados aceitaram colaborar prontamente. Para não comprometer o tempo desses colaboradores, as entrevistas foram gravadas, sendo posteriormente transcritas e adicionadas ao trabalho.
Procedeu-se a uma análise e categorização das respostas dadas pelos profissionais. A quantificação das respostas se deu a partir do número de afirmações dos docentes consultados, em forma de freqüência e porcentagem.
Resultados
A Tabela 1 mostra os resultados obtidos para a pergunta sobre as principais causas de acidentes nas aulas de EF.
Tabela 1. Principais causas de acidentes durante as aulas
Principais Causas
|
Freq.
|
Porcentagem
|
Condições da Quadra
|
19
|
35,84%
|
A atividade em si/ contato físico
|
7
|
13.20%
|
Calçado/ uniforme inadequado
|
5
|
9.43%
|
Falta de habilidade do aluno
|
5
|
9.43%
|
Ansiedade
|
4
|
7.54%
|
Falta de disciplina/ brincadeira dos alunos
|
4
|
7.54%
|
Desatenção/ distração/ descuido dos alunos
|
3
|
5.66%
|
Atividade mal direcionada/ má proposta dos professores
|
3
|
5.66%
|
Grande número de alunos
|
1
|
1.88%
|
Não tem motivo especifico
|
2
|
3.77%
|
Total
|
53
|
100%
|
É possível constatar que, mesmo as condições da quadra ou local onde se realizaram as aulas ser considerado a maior causa de acidentes, os professores atribuem uma grande responsabilidade dos acidentes ao próprio aluno, seja por questões de (in) disciplina, brincadeiras ou inabilidade.
Outra questão feita aos professores foi se eles eram chamados para prestar primeiros socorros quando ocorria algum acidente na escola, fora da aula de EF e qual o procedimento que costumam adotar para alguns casos. Os resultados são apresentados na tabela abaixo.
Tabela 2. Procedimento adotado pelos professores em acidentes fora de sua aula
Procedimento adotado
|
Freqüência
|
Porcentagem
|
Não foram solicitados
|
12
|
48%
|
Verificar queda/ aplicação gelo
|
4
|
16%
|
Desmaio/ encaminhamento ao pronto socorro
|
3
|
12%
|
Lavar/ estancar sangramento
|
2
|
8%
|
Imobilizaram fratura com tala improvisada
|
2
|
8%
|
Atropelamento/ solicitação de resgate
|
1
|
4%
|
Manobra p/ desengasgar
|
1
|
4%
|
Total
|
25
|
100%
|
Do total de professores consultados 52% afirmam que foram ou são chamados a auxiliar quando algum aluno sofre um acidente na escola, mesmo fora de sua aula. Parte dessa pergunta (sobre procedimentos) e os outros temas geradores tinham como objetivo perceber qual a atitude do professor frente a um a
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