EDUCAÇÃO FÍSICA DO PROFESSOR WILLIAM PEREIRA

Este blog é a continuação de um anterior criado pelo Professor William( http://wilpersilva.blogspot.com/) que contém em seus arquivos uma infinidades de conteúdos que podem ser aproveitados para pesquisa e esta disponível na internet, como também outro Blog o 80 AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA (http://educacaofisica80aulas.blogspot.com/ ) que são conteúdos aplicados pelo Professor no seu cotidiano escolar.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Notícias da Educação Física

Notícias da Educação Física


Relação entre força muscular de membros inferiores e capacidade de aceleração em jogadores de futebol

Posted: 28 Sep 2012 02:17 AM PDT


Durante uma partida de futebol, jogadores de alto nível realizam em média 100 corridas curtasr ápidas (.sprints.) dos quais aproximadamente 65% não excedem 16 m (BANGSBO, 1994; REILLY, BANGSBO & FRANKS, 2000; WINKLER, 1985). Uma característica dessas corridas é a necessidade do jogador realizar mudanças de direção, em função da trajetória da bola ou da disputa com o adversário (EKBLOM, 1992). Diferenças na capacidade de aceleração envolvendo mudanças de direção para direita ou para esquerda foram verificadas em jogadores de futebol de campo (MENZEL, 1995). Possíveis explicações para essas diferenças estão relacionadas com características específicas do programa motor (técnica de movimento) ou com desequilíbrio em parâmetros da força muscular dos membros inferiores (MMII) (FOWLER & REILLY, 1993).

KOLLATH (1992), utilizando a análise cinematográfica aliada ao controle do tempo de apoio de cada membro inferior, observou que o aumento da velocidade do centro de massa durante a fase de contato pode apresentar diferenças entre os MMII. A FIGURA 1 mostra a curva de velocidadetempo durante os primeiros 5 m de uma arrancada de um jogador de futebol. É possível verificar que a aceleração do centro de massa (inclinação da curva) durante a primeira e terceira fases de apoio foi maior comparativamente com a segunda e quarta fases de apoio. Isso possibilita deduzir que um determinado membro produzia acelerações diferenciadas. Os fatores responsáveis por essas diferenças laterais podem ser referentes à força produzida pelo membro que está apoiado ou mesmo à relação dessa força com o deslocamento do membro contralateral.

 

 

Desta forma a força muscular de MMII, a capacidade de aceleração envolvendo mudanças de direção e as preferências laterais deveriam ser diagnosticadas (YOUNG, JAMES & MONTGOMERY, 2002), uma vez que padrões fixos de movimento facilitam a antecipação do adversário além de poder causar assimetria morfológica (FETZ, 1989). Entretanto, os estudos têm direcionado pouca atenção para esta questão, principalmente no que diz respeito à relação entre as diferen ças laterais de MMII de jogadores e a capacidade de aceleração com mudanças de direção. Há também uma carência de valores referenciais que possibilitem a interpretação dos resultados de testes, visando o direcionamento do treinamento e que permitam uma análise de aptidão (talento).

Sendo assim, os objetivos deste estudo foram avaliar as possíveis diferenças laterais de força muscular dos MMII de jogadores de futebol de campo e relacioná-las com a capacidade de aceleração em distâncias curtas.

 

Materiais e métodos

Amostra

A amostra foi constituída por 19 jogadores de futebol de campo da categoria júnior do Cruzeiro Esporte Clube de Belo Horizonte - MG, com uma média de idade, massa corporal e estatura de, respectivamente, 18,58 ± 0,77 anos, 74,77 ± 8,25 kg e estatura de 180,11 ± 7,61 cm. Os indivíduos participavam de uma rotina de treinamento de 4-5 vezes por semana, com uma duração de 2-3 horas por treino. Havia a tentativa de se realizar os exercícios propostos para os dois lados, tanto nos treinos físicos quanto nos técnico-táticos, ou seja, objetivava-se o trabalho bilateral com os atletas.

Os sujeitos não apresentaram nenhum impedimento médico para a realização dos testes, conforme informações da comissão técnica responsável. Após ter sido informado sobre os procedimentos e objetivos do estudo, cada sujeito assinou um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais - COEP/UFMG.

Procedimentos gerais

Os sujeitos foram familiarizados com todos os procedimentos utilizados no estudo dois dias antes da coleta de dados.

Antes da realização da coleta de dados, os indivíduos realizaram uma atividade preparatória inicial que consistia em uma corrida de intensidade leve com duração de cinco minutos. Os testes de Velocidade e Agilidade (MENZEL, 1995) e o "Squat Jump" monopedal (SJm) foram distribuídos de forma aleatória entre os sujeitos, assim como o primeiro membro para a realização do SJm.

Teste de velocidade/agilidade no futebol

Para mensurar a capacidade de aceleração com mudança de direção dos jogadores, foi utilizado o Teste de Velocidade/Agilidade proposto por MENZEL (1995). O procedimento diagnóstico é composto por três diferentes percursos de 15 m, sendo o primeiro caracterizado por uma trajetória em linha reta (LR), o segundo e o terceiro por uma corrida em LR com uma mudança de direção (90°) após 7,5 m para a esquerda (ME) e direita (MD), respectivamente. A FIGURA 2 ilustra os três diferentes percursos e o posicionamento das fotocélulas duplas (modelo: EQ-501; fabricante: Hidrofit; Japan) para medição dos tempos no percurso de 15 m em LR (a), de 15 m com giro de 90º para direita (b) e para esquerda aos 7,5 m (c). As fotocélulas duplas são compostas por dois sensores posicionados a uma distância vertical de 0,2 m entre si. Em função de diferenças quanto à estatura dos jogadores, o posicionamento vertical das fotocélulas foi variado. Essas foram posicionadas a 0,2 m e 0,4 m abaixo da altura do acrômio de cada indivíduo. Esse posicionamento foi adotado para que os sensores fossem ativados no momento que o tronco passasse pela barreira invisível de raios. A medição de tempo requer que ambos os sensores sejam abertos ou fechados, sendo que, somente um feixe de raio interrompido não aciona o registro no microprocessador. Dessa forma possíveis influências dos movimentos dos membros superiores na medição foram evitados (DREUSCHE, 1986).

 

 

Mensuração da força muscular

Para análise da força muscular de MMII foi utilizada uma plataforma de força (modelo: OR6-7; fabricante: AMTI; USA) embutida e nivelada ao solo. A aquisição dos sinais a uma freqüência de 1 KHz e a análise das curvas força-tempo (F-t) foram realizadas com o programa Dasylab (V4.01). Houve filtragem do amplificador (AMTI) do sinal, sendo ele passa baixa de 1 KHz.

Nesse estudo registrou-se somente a componente vertical da força de reação, por ser a direção principal do movimento no salto vertical. A força foi medida através do SJm, no qual o indivíduo executava o salto vertical, apoiando somente um dos pés sobre a plataforma, enquanto o outro membro inferior permanecia suspenso. O SJm foi escolhido pois possibilita a quantificação de possíveis diferenças laterais entre os MMII. Apesar de haver o envolvimento das articulações do quadril, joelho e tornozelo tanto no SJm como no Teste de Velocidade/Agilidade, essas tarefas possuem demandas físicas diferentes, sendo essa uma limitação desse estudo.

No "squat jump" (SJ) a posição inicial do indivíduo é caracterizada pelo ângulo de 90o dos joelhos, sendo que as mãos devem permanecer fixas à cintura durante todo o movimento (FIGURA 3). Os sujeitos permaneciam na posição agachada por aproximadamente dois segundos antes de realizarem o salto.

 

 

De acordo com SCHMIDTBLEICHER (1992), as correlações entre a força máxima e a taxa de produção de força em contrações concêntricas e isométricas aumentam com o aumento da resistência externa na contração concêntrica. Sendo assim as maiores correlações quanto a força máxima e a taxa máxima de produção de força entre o modo isométrico e concêntrico podem ser encontradas quando a resistência externa no modo concêntrico for próxima da força isométrica máxima. Baseado nesse fato foram determinados a força máxima (FMAX); o tempo até se atingir a força máxima (tFMAX), definido como o intervalo entre o início do movimento vertical, ou seja, o momento em que a força vertical era maior do que o peso, e o momento da realização da maior força; a taxa média de produção de força (G = FMAX/ tFMAX) e o tempo até se atingir a G (tg). Todas essas variáveis foram determinadas separadamente para os MMII direito e esquerdo. Neste estudo, o membro inferior preferido para chutar a bola foi considerado dominante e o membro inferior de suporte não dominante.

Coleta e análise de dados

Para o teste de Velocidade e Agilidade a posição inicial de saída do teste foi padronizada com o pé dianteiro alinhado à primeira fotocélula dupla, na marca de 0 m, como indicado na FIGURA 2. O momento da saída ficou a critério do avaliado. Os indivíduos repetiram cada teste três vezes e o menor tempo para cada percurso foi considerado para a análise estatística. O intervalo entre cada tentativa foi de cinco minutos. O tempo de abertura mínimo entre as medidas foi de 0,001 s.

Para quantificar as diferenças laterais foi calculada a diferença entre o tempo de corrida para direita e esquerda (∆t = td - te). Sendo assim, valores positivos indicam uma velocidade de movimento maior para giros para a esquerda enquanto os valores negativos indicam uma velocidade de movimento maior para giros para a direita.

O teste SJm foi realizado cinco vezes para cada membro e foi dado um intervalo de cinco minutos entre cada salto. O salto com o melhor desempenho, ou seja, a maior elevação do Centro de Gravidade (CG) foi utilizado para a análise. A velocidade do CG foi calculada por meio da integração da curva Força-tempo (Impulso), valor esse que era dividido pela massa corporal do sujeito (teorema Impulso-Momento), ficando o erro em torno de 2%. De posse da velocidade de saída, a elevação do CG era calculada utilizando-se a fórmula h = vo 2/2*g (onde, h = altura, vo = velocidade de saída na plataforma de força e g = aceleração da gravidade).

O mesmo procedimento para quantificar as diferenças laterais aplicado aos testes de velocidade foi aplicado para as variáveis do SJm. Nesse caso, valores positivos indicam FMAX, G, tFMAX e tg maiores para o membro inferior direito e valores negativos indicam FMAX, G, tFMAX e tg maiores para o membro inferior esquerdo.

O teste de Velocidade e Agilidade e o SJm foram repetidos após três dias e os coeficientes de confiabilidade foram determinados. Com exceção das variáveis dependentes do tempo (tg, tFMAX), os coeficientes de confiabilidade (rc) para as variáveis analisadas no SJm e no Teste de Velocidade/Agilidade foram maiores que 0,85 (TABELA 1). Portanto, as variáveis tg e tMAX foram excluídas de futuras análises.

 

 

Análise estatística

Para a análise de possíveis correlações entre diferenças laterais dinâmicas e o desempenho nos testes de velocidade foi utilizado o Teste de Contingência. Atrav és desse teste é possível determinar correlações entre variáveis em uma escala nominal. Se o valor absoluto das diferenças laterais (sem consideração do lado dominante) fosse maior que o percentil 80, seria classificado de acordo com o lado de preferência como uma diferença lateral. O percentil 80 foi escolhido, pois equivale a uma diferença lateral de 15% entre os membros inferiores. Segundo PETSCHING, BARON e ALBRECHT (1998), uma diferença igual ou superior a 15%, já corresponde a uma assimetria de membros inferiores. Em seguida, a preferência de giro lateral foi identificada, o que resultou em uma classificação do atleta: "sem preferência", "preferência pelo membro inferior direito", "preferência pelo membro inferior esquerdo".

Foram calculados os coeficientes de contingência entre diferenças laterais dos parâmetros dinâmicos e diferenças laterais no Teste de Velocidade/ Agilidade assim como entre os MMII dominante e não-dominante e diferenças laterais no Teste de Velocidade/Agilidade, ou seja, verificar, por exemplo, se o atleta que tem o membro inferior direito dominante possui uma maior velocidade de giro para a direita. O nível de significância adotado foi de p ≤ 0,05.

 

Resultados

As TABELAS 2 e 3 mostram as estatísticas descritivas do Teste de Velocidade/Agilidade e do salto vertical (SJm), respectivamente.

 

 

 

 

Baseando-se na estatística descritiva, tabelas para avaliação da velocidade de movimento para distâncias curtas e diferenças laterais foram elaboradas de acordo com os percentis (TABELA 4).

 

 

Somente entre o membro inferior dominante e a força concêntrica máxima foi encontrado um coeficiente de contingência significante (p = 0,05). Isso significa que a força máxima é maior para o membro dominante se comparada ao nãodominante. Não foram verificados coeficientes de contingência significantes entre preferências laterais no Teste de Velocidade/Agilidade e as variáveis dinâmicas da força muscular.

 

Discussão

Alguns pesquisadores têm sugerido a necessidade de relacionar o desempenho em testes de força muscular com o rendimento em testes motores envolvendo a capacidade de aceleração, pelo fato dessa forma de manifestação da velocidade caracterizar uma das ações motoras mais freqüentes no jogo de futebol (HRYSOMALLIS, KOSKI, MCCOY & WRIGLEY, 2002; MOREIRA JÚNIOR, ROCHA, PIMENTA & CHAGAS, 2003; YOUNG, JAMES & MONTGOMERY, 2002). Entretanto, investigar a relação entre o desempenho em parâmetros da força muscular e a capacidade de aceleração, deve considerar que os jogadores de futebol raramente realizam corridas em que mudan ças de direção não estejam presentes (SANTANA, 2000). Este aspecto metodológico foi garantido na presente pesquisa, na qual foram aplicados o Teste de Velocidade/Agilidade e o teste de força muscular SJm executado sobre uma plataforma de força.

Através do procedimento de teste e re-teste, a confiabilidade das medidas relacionadas com o Teste de Velocidade/agilidade foi testada. Os resultados mostraram coeficientes de correlação significantes de 0,97; 0,98 e 0,94 para o tempo de corrida com giro para a direita (td), esquerda (te) e para a diferença do tempo de corrida (Dt), respectivamente. Também a partir do teste de confiabilidade foram verificados coeficientes de correlação de 0,89 e 0,87 para a força máxima concêntrica (Fmax) e taxa média de produção de força (G), respectivamente. Todos os valores de coeficiente de correlação foram significantes (p < 0,05). Para interpretar os coeficientes de correlação relacionados à confiabilidade, GAJDOSIK, LEVEAU e BOHANNON (1985) sugeriram que valores de 0,99 a 0,90; 0,89 a 0,80; 0,79 a 0,70 < 0,69 representam uma alta, boa, moderada e pobre correlação, respectivamente. Baseando-se nessa indicação, uma alta confiabilidade foi obtida para os parâmetros relacionados ao Teste de Velocidade/Agilidade. Para os parâmetros referentes ao teste de força muscular SJm verificou-se uma boa confiabilidade.

A comparação das médias das variáveis investigadas no Teste de Velocidade/Agilidade e no teste de força muscular SJm entre MMII não mostrou diferenças significativas. Com isso, identificar uma possível relação entre diferenças laterais e o desempenho nas corridas com mudança de direção não seria esperado. Os coeficientes de contingência entre os MMII dominante e não-dominante e as diferenças laterais no Teste de Velocidade/Agilidade não foram significantes. Desta forma, neste estudo, não foi verificada nenhuma relação entre o atleta que tem um membro inferior dominante com um maior desempenho da capacidade de aceleração com a mudança de direção para esquerda ou direita. Essa mesma colocação pode ser feita para o membro não-dominante. Estes resultados corroboram com os dados apresentados pelo estudo de YOUNG, JAMES e MONTGOMERY (2002). Esses autores não encontram uma correlação significativa entre a força máxima concêntrica uni- e bilateral dos extensores do joelho medida através de um aparelho isocinético e o desempenho em testes de aceleração em linha reta e com mudança de direção realizados na distância de 8 m.

Uma possível explicação para os resultados citados acima pode estar relacionada com a homogeneidade do perfil motor e fisiológico do grupo de jogadores avaliados. A ausência de diferença significativa na força muscular entre os MMII, poderia não ser esperada, partindo do pressuposto que um determinado membro inferior seria dominante para a realização do fundamento técnico chute, que está associado com exigências significativas de força. Dois argumentos que poderiam justificar a semelhança no desempenho da força muscular entre os membros seriam: a) as ações motoras envolvendo acelerações, frenagens, mudanças de direção que acontecem durante os treinos e jogos (D.OTTAVIO & CASTAGNA, 2002), que requerem a produção de altos valores de força, seriam suficientes para evitar as possíveis diferenças e b) o membro inferior de sustentação durante a execução das tarefas técnicas (chute, passe) também é submetido a grandes exigências de força (ANJOS & ADRIAN, 1986). MOGNONI, NARICI, SIRTORI e LORENZELLI (1994) encontraram valores significativamente maiores para o pico de torque dos extensores do joelho do membro não-dominante quando comparado com o membro dominante. O torque foi medido em um aparelho isocinético em quatro velocidades angulares diferentes, sendo que a diferença foi verificada nas três maiores velocidades angulares testadas. Segundo esses autores, os resultados encontrados podem ser explicados pelas ações de equilíbrio e sustentação do peso do corpo realizadas pelo membro não-dominante quando o membro contralateral realiza o chute.

Outra explicação para a relação entre um determinado membro inferior com um maior desempenho da capacidade de aceleração com a mudança de direção pode ser o fato de que essa capacidade seja influenciada mais significativamente por fatores como: a coordenação motora e técnica de movimento. Alterações nos padrões de movimento dos segmentos corporais podem levar a uma melhoria do desempenho na execução de uma tarefa, como mostrou o estudo de ANDERSON e SIDAWAY (1994). Esses autores observaram mudanças nos padrões de movimento do joelho e quadril na execução do chute da modalidade futebol após 20 sessões de treinamento. A melhoria do desempenho foi considerada como resultado da modificação de aspectos da coordenação motora e não simplesmente o aumento na velocidade de movimento como um todo. Dentro deste contexto, outro aspecto que deve ser considerado é a especificidade das ações musculares que ocorrem no teste de força muscular SJm e no teste de velocidade/agilidade utilizados neste estudo. As ações musculares envolvidas no teste de Velocidade/Agilidade são denominadas de ciclo de alongamento-encurtamento (CAE). Neste ciclo ocorre uma contração concêntrica precedida de uma contração excêntrica, resultando em aproveitamento de energia potencial elástica e otimização da fase concêntrica do movimento. Existem características específicas desse tipo de ação muscular, sendo que o CAE não é uma simples combinação de uma ação excêntrica com uma ação concêntrica. Mecanismos auxiliares como o reflexo de estiramento e a pré-inervação da musculatura envolvida são utilizados e contribuem para o aumento da força na fase concêntrica do CAE (KOMI, 1992).

O CAE é uma ação muscular que não está presente no teste de força muscular SJm. Este teste está caracterizado por uma ação muscular concêntrica. Segundo KOMI (1992), as variáveis destes tipos de contração muscular não apresentam uma correlação significativa. Resultados que fundamentam essa argumentação são fornecidos pelo estudo de YOUNG, JAMES e MONTGOMERY (2002). Nesta pesquisa foi verificada uma correlação significativa entre a força reativa (FR) medida através do salto padronizado "drop-jump" (FR= tempo de contato divido pela altura do salto) e o desempenho em testes de aceleração com mudança de direção de 20° para direita na distância de 4 m realizados na distância de 8 m (r = -0,71). Os autores utilizaram o coeficiente de determinação (r2) para interpretar o grau do relacionamento entre a força reativa e o desempenho nos testes de aceleração com mudança de direção. Esse método indica a porção da variação total em uma medida que pode ser explicada, ou devida à variação na outra medida (TRIOLA, 1999). Em geral, o coeficiente de determinação é multiplicado por 100 e então expresso como um percentual de variação. Baseado nisso os autores concluíram que aproximadamente 50% do desempenho no teste de aceleração é explicado por aspectos relacionados ao desempenho de força muscular (força reativa), sugerindo que outros fatores são responsáveis pelo restante da variação.


Educação física como prática científica e prática pedagógica: reflexões à luz da filosofia da ciência

Posted: 28 Sep 2012 02:10 AM PDT



Os discursos sobre a teoria da Educação Física foram classificados por BETTI (1996) em dois grandes grupos: a matriz científica, que concebe a Educação Física como área de conhecimento científico, e a matriz pedagógica, que a concebe como prática pedagógica, como prática social de intervenção. Após apontar as possibilidades e limitações de autores que se polarizavam em uma ou outra matriz, BETTI (1996), buscando a superação dos dualismos recorrentes identificados no debate teórico-epistemológico da Educação Física, propôs uma Teoria da Educação Física concebida como um campo dinâmico de pesquisa e reflexão. A teoria assim proposta poderia sistematizar e criticar conhecimentos científicos e filosóficos, receber e enviar demandas à prática social, e às Ciências e à Filosofia. A "prática" passaria a configurar-se como possibilidade de mediação entre a 'matriz científica' e a 'matriz pedagógica' que se apresentam no debate sobre a identidade epistemológica da Educação Física, entre a 'teoria' e a 'prática', entre o 'fazer corporal' e o 'saber sobre esse fazer'.

A Educação Física não se caracterizaria, então, como uma "ciência" específica, mas como uma área acadêmico-profissional com necessidades e características próprias, que se vale das diversas ciências e da filosofia para construir seus objetos de reflexão e direcionar sua intervenção pedagógica.

O objetivo deste ensaio é contribuir para o debate teórico-epistemológico que se tem travado na Educação Física brasileira em torno do seu estatuto científico e/ou pedagógico, no sentido de buscar, a partir de reflexões alimentadas pela Filosofia da Ciência, alternativas consistentes para a superação dos dualismos com que a área tem pensado a si própria. Para tal, realiza-se inicialmente uma revisão crítica das idéias de TANI (1996), BRACHT (1992, 1999) e LOVISOLO (1996, 1998), autores que, ao longo da década de 1990, contribuíram de modo importante para o tema em questão, ao trazerem à luz novas perspectivas, demarcarem posições e travarem diálogos, alternando, de modo implícito ou explícito, dissensões e alguns poucos consensos1. A seguir, recorre-se a alguns temas da Filosofia da Ciência tal como abordados por CHALMERS (1994), FOUREZ (1995) e ALVES-MAZZOTTI (1999), objetivando alimentar o debate com novos referenciais.

 

Educação física e ciência: o debate brasileiro

Após a longa argumentação de BRACHT (1999) e LOVISOLO (1996), torna-se difícil sustentar a proposi ção da Educação Física como uma disciplina científica, aos moldes de uma Cinesiologia (TANI, 1996) ou de uma Ciência da Motricidade Humana (SÉRGIO, 1987).

Para LOVISOLO (1996), existe uma questão paradigmática ou de hegemonia na Educação Física que expressa a dificuldade de construir uma identidade disciplinar, estabelecer acordos sobre o objeto teórico próprio e metodologias apropriadas; assim, haveria impossibilidade de construir uma área disciplinar em sentido estrito que pudesse "ocupar o lugar da multiplicidade dos enfoques disciplinares atuantes no campo das ciências que estudam os esportes, a atividade corporal e a Educação Física" (p.51). O autor lembra que a filosofia, sociologia, economia, fisiologia, biomecânica, etc., são disciplinas que se ocupam de aspectos ou recortes do esporte e da atividade física. Assim, o esporte e a Educação Física seriam campos de aplicações nas quais essas disciplinas realizam esforços de explicação e interpretação, utilizando seus respectivos marcos teóricos e metodológicos, mas tal não implica a criação de .novos objetos teóricos nem novos conceitos ou metodologias específicas, embora possam colocar questões teóricas e metodológicas a partir desses campos para suas próprias disciplinas. (p.67).

Em perspectiva semelhante, BRACHT (1999) vê o campo acadêmico da Educação Física constituirse pela absorção de conhecimentos científicos provenientes de outras disciplinas e pela produção de conhecimentos por intermédio de práticas científicas marcadas por abordagens monodisciplinares (quer dizer, determinadas pelas "ciências-mães": Sociologia, Biologia, etc.) do fenômeno do movimento humano ou da atividade física. Assim, .no processo de sua constituição, o campo acadêmico Educação Física fragmentou-se; as línguas científicas faladas são diferenciadas, específicas. (p.31), o que se tornou uma fonte da .crise de identidade. da Educação Física, pois o desejo de tornar-se ciência confronta-se com a constatação de sua dependência de outras disciplinas - a Educação Física é "colonizada epistemologicamente por outros disciplinas" (p.30-1). Ou seja, a Educação Física não possuiria uma identidade epistemológica própria, quer dizer, aquela "forma própria com que cada disciplina científica interroga e explica a realidade, o que é determinado pelo tipo de problema que levanta, pelos métodos de investigação e pela linguagem que desenvolveu e utiliza" (p.32). Portanto, "a pesquisa em fisiologia do exercício não é ciência da Educação Física e, sim, ciência fisiológica, assim como história do esporte não é Ciência do Esporte e, sim, ciência histórica" (p.32).

Porém, dada a importância e 'status' que a ciência goza na sociedade e no meio acadêmico, "a Educação Física coloca como meta tornar-se ela própria uma ciência" (BRACHT, 1999, p.31): daí, as propostas de criação de uma 'nova' ciência (Ciência da Motricidade Humana, Ciência do Movimento Humano, etc.).

No entendimento de BRACHT (1999), o que ocorreu no âmbito da Educação Física foi um equívoco que ele atribui à influência de uma concepção empirista ingênua da ciência, que confunde objeto científico com algum fenômeno ou recorte da realidade, e, portanto, o movimento humano não seria por si só um objeto científico, mas os problemas que lhe são colocados sob uma nova perspectiva é que poderiam configurar um novo campo de conhecimento, pois um objeto científico "é algo construído a partir de determinada abordagem" (p.32).

LOVISOLO (1996) levanta também o problema da legitimidade na Educação Física - relacionado à questão do reconhecimento social e cultural das profissões que envolvem o estudo e a orientação da prática esportiva e corporal. Não haveria, por exemplo, objeto teórico da Engenharia no sentido em que há objeto teórico na Física; a Engenharia formularia "programas de intervenção em campos específicos do social a partir das ciências da natureza, aplicação, e do acúmulo de racionalização de experiências geradas no processo de intervenção" (p.68). Tal fato não afetaria, contudo, a regulamentação legal das atividades do engenheiro, nem a legitimidade social da sua intervenção.

Na esteira de LOVISOLO (1996), sugere-se que a proposição da Educação Física como uma disciplina científica na segunda metade do século XX pode ser compreendida como uma estratégia de sobrevivência da área no interior da Universidade. Sabe-se como o movimento disciplinar norte-americano foi inicialmente motivado pela ameaça à sobrevivência da Educação Física no âmbito universitário, uma das motivações para o famoso artigo de F. M. Henry em meados da década de 1960 (HENRY, 1964). Argumentos dessa ordem são também arrolados por TANI (1996). Todavia, com bem descreve LOVISOLO (1996), a mesma Universidade que havia elevado a produção do conhecimento como seu principal objetivo, também o havia ampliado em direção à intervenção social.

Deve-se considerar a hipótese de que essa ampliação de objetivos tenha facilitado a incorporação de certas áreas (inclusive a Educação Física) à Universidade, exatamente pelo caráter de intervenção que esta passou a assumir.

Tal pode ser exemplificado com o caso do esporte moderno. Organizado pela burguesia e aristocracia européia no século XIX, como forma de lazer e distinção social (e só posteriormente meio/conte údo pedagógico nas escolas), permaneceu alheio ao discurso científico, pelo menos naquele sentido da fundamentação científica de cunho fisiológicoanat ômico que esteve presente na formulação dos sistemas ginásticos europeus à mesma época.

Foi pela sua importância social, econômica e política, adquirida no pós-segunda guerra, e pela valorização da sua ideologia liberal, que o esporte adentrou vigorosamente a escola, e depois a Universidade como campo de pesquisa - quer dizer colocou-se a questão de como intervir com critérios científicos para maximizar o rendimento dos atletas. Do mesmo modo, surge a preocupação de como ensinar melhor o esporte, e nas chamadas "Ciências do Esporte" surgem as pesquisas pedagógicas (BRACHT,1999).

Ora, assistimos hoje o mesmo processo ocorrer, de modo mais amplo, no âmbito da Educação Física. Por exemplo, espera-se que a Universidade, por interm édio da prática científica que abriga, contribua para a solução dos problemas educacionais, desde a adequada formação de professores de Educação Física até a elaboração de políticas públicas de esporte e lazer.

É aí que o conceito de .pesquisa científica. ampliase necessariamente, e não só porque .fazer ciência. para a Universidade e para os órgãos de fomento à pesquisa não se restringe mais aos parâmetros das ciências naturais e alcança as ciências humanas e sociais, mas o próprio conceito de .pesquisa. passa a incluir programas de intervenção racionalizados, quer dizer, que buscam auxílio na racionalidade/ método científico, abrangendo áreas tão diversas como administração de empresas, enfermagem e formação de professores. Mesmo TANI (1996) não se refere à "Cinesiologia" como ciência, mas como área de conhecimento ou área acadêmica.

Por isso, de certa forma, a crítica à concepção tradicional de ciência (ainda prevalecente no meio universitário) une BRACHT (1999) e TANI (1996). Já LOVISOLO (1996) não a critica diretamente porque distingue radicalmente .ciência. (que objetivaria .explicar mecanismos.), de .programas de intervenção racionalizados., e é neste último campo que se situa para ele a Educação Física. A contradição presente em TANI (1996) é que, em última instância, busca legitimar a Educação Física comparando-a com as ciências já estabelecidas, que para ele só precisariam de uma correção de rumos para superar o paradigma analítico e fragmentador do conhecimento prevalecente na ciência tradicional. Por outro lado, BRACHT (1999) reluta em falar a favor da ciência, porque centra fogo na racionalidade científica tradicional, que seria limitada em relação às necessidades da fundamentação da prática na Educação Física, e vê esta subordinada a um projeto político de intervenção.

O modelo analítico e experimental das ciências naturais, paradigma da ciência tradicional, inevitavelmente coloca em questão a possibilidade de aplicação dos conhecimentos assim gerados em situações reais (na Educação Física escolar, por exemplo), e TANI (1996) sugere recurso aos novos paradigmas da ciência (complexidade, sistemas dinâmicos, etc.), além de apelar à interdisciplinaridade como promotora da integração de conhecimentos. Contudo, o .novo paradigma da ciência., como alertou LOVISOLO (1996), não produziu estudos significativos que o demonstrem como alternativa viável frente ao paradigma tradicional: "A intencionalidade holística, unitária ou não fragmentária ainda não validou suas razões como produções de conhecimento que levem a modificar o modo tradicional de operação da ciência" (p.71).

TANI (1996), de fato, propõe a integração dos conhecimentos, quando admite que fenômenos e eventos complexos (como é o caso do movimento humano) podem ser analisados em diferentes níveis (do bioquímico ao antropológico), nos quais existiriam epistemologias e metodologias adequadas. Contudo, a partir daí, para o autor, a integração passa a ser uma questão de fé e esperança (no sentido da espera): "acredita-se que o conjunto das contribuições de estudos, dentro dessa visão do movimento humano, possa resultar num corpo de conhecimentos coerentemente organizado, capaz de evidenciar uma identidade acadêmica claramente definida" (p.29).

Então, questões como a da inter ou transdisciplinaridade (que Bracht também vê se impor ao campo da Educação Física), e da complexidade dos fenômenos humanos, enquanto não resolvidas, tornam a Educação Física refém de metodologias/práticas científicas que ainda não existem.

Já LOVISOLO (1996) subestima a importância da ciência para a Educação Física, quando a restringe aquela à descoberta dos mecanismos que fazem as "coisas funcionarem". Todavia, na Educação Física, o método científico representa um importante caminho de legitimação da sua prática profissional, quer no sentido "positivo" - por exemplo, demonstrando os benefícios psico-físicos advindos das práticas corporais - como no "negativo", por exemplo, problematizando as idéias de que "atividade física é boa para a saúde", ou de que "judô é bom para descarregar a agressividade". Contudo, LOVISOLO (1998) relativizou sua concepção inicial quando propôs que as pesquisas na pós-graduação devam também se dedicar à avaliação de produtos e processos da intervenção.

 

A resposta pedagógica

BRACHT (1992, 1999) realizou profícua reflexão para fundamentar a Educação Física como uma prática pedagógica.

Inicialmente, o termo 'Educação Física' designa, para BRACHT (1992), em sentido restrito, aquelas atividades pedagógicas que, no âmbito da instituição educacional, têm como tema o movimento corporal; no sentido amplo, designa "todas as manifestações ligadas à ludomotricidade humana" (p.15), mas que para o autor seriam melhor abarcadas por termos como cultura corporal ou cultura de movimento.

A seguir, em oposição à concepção de Educação Física como área de conhecimento científico, BRACHT (1992) a define como "prática pedagógica que tem tematizado elementos da esfera da cultura corporal/movimento [...] prática social de intervenção imediata, e não uma prática social cuja característica primeira seja explicar ou compreender um determinado fenômeno social ou uma determinada parte do real". Ao explicitar seu entendimento de "prática pedagógica", BRACHT (1999) a caracteriza como prática de intervenção caracterizada pela intenção pedagógica com que trata um conteúdo.

Significativo avanço é empreendido por BRACHT (1999) quando define o objeto da Educação Física como o saber específico de que trata essa prática pedag ógica, .cuja transmissão/tematização e/ou realização seria atribuição desse espaço pedagógico que chamamos Educação Física. (p.42). A definição desse objeto/ saber específico caracteriza o tipo de conhecimento buscado para sua fundamentação, e este, por sua vez, determina a função atribuída à Educação Física. O autor identifica-se então com o entendimento de que o saber próprio da Educação Física é a cultura corporal, cultura de movimento ou cultura corporal de movimento, e o movimentar-se humano é visto como forma de comunicação com o mundo, constituinte e construtora de cultura, mas também possibilitada por ela; é linguagem, que na qualidade de cultura habita o mundo do simbólico. Como conseqüência, tomar a cultura corporal de movimento como objeto da Educa ção Física implica avançar do fazer corporal para um saber sobre o movimentar-se do ser humano, o qual deve ser incorporado pela Educação Física (na escola) como um saber a ser transmitido (aos alunos).

Então, quando BRACHT (1999) fala em "objeto da Educação Física" refere-se "ao 'saber' específico de que trata essa prática pedagógica, e não "ao objeto de uma prática científica"(p.41), pelo que não se colocam as exigências que são feitas para definir o objeto de uma ciência. Contudo, admite que toda prática social com características de prática pedagógica exige um suporte teórico que não pode prescindir do saber científico para fundamentar as decisões com as quais está constantemente confrontada, e, portanto, "constituir um campo acadêmico é necessário complemento/acompanhamento dessa prática" (p.126). O que o autor questiona é a suposição de que a Educação Física somente alcançaria legitimidade afirmando-se como ciência. A questão mais importante passaria a ser, então, quais as características e os contornos desse campo acadêmico, como e com quais outros interage, e com qual concep ção de racionalidade (científica) deve operar.

BRACHT (1999) questiona a capacidade da ciência de nos fornecer respostas seguras/verdadeiras para a tomada de decisões no âmbito da prática pedagógica da Educação Física. Lembra que um dos principais pressupostos da ciência moderna é o de que as explicações da realidade estão contidas nela mesma - há leis internas que determinam o movimento das coisas. A descoberta dessas leis permitiria prever o comportamento dos corpos ou das coisas de forma universal; ou seja, a realidade contém regularidades e possui uma ordem.

A tentativa de aplicação desses mesmos princípios para o conhecimento 'científico' da realidade social e do comportamento humano (por exemplo, Durkheim e Comte na Sociologia) foi logo questionada. BRACHT (1999) cita a conhecida distinção que Dilthey operou entre a categoria de .compreensão. (que seria própria das humanidades: compreender o sentido/significado subjetivo das condutas humanas) e .explicação. (que seria própria às ciências naturais). O autor vê prosseguir o debate em torno do dualismo metodológico ou epistemológico entre as ciências naturais e ciências humanas/sociais e se pergunta: "o estudo do movimento humano deve ser feito a partir dos princípios das ciências naturais ou das ciências sociais e humanas, ou, ainda de ambas?" (p.35).

Parece então a BRACHT (1999) que mais importante é entender o tipo de conhecimento do movimentar-se humano que uma e outra abordagem possibilitam, bem como suas limitações.

A distinção entre o saber fático e o ético-normativo é ponto central na argumentação de BRACHT (1999), ao ponderar que a ciência sempre se propôs a se pronunciar sobre o que é a realidade (quais leis a regem) ou o que somos nós, mas não pode se pronunciar sobre como a realidade ou nós deveríamos ser (o que implica decisões éticas). Ou seja: "De sentenças sobre o que a realidade é não é possível deduzir lógica e necessariamente (ou cientificamente) o que ela deve ser" (p.124).

Como a Educação Física, na qualidade de prática pedagógica, necessariamente envolve a dimensão do ético-normativo, para que a ciência (ou a racionalidade científica) possa lhe fornecer a fundamentação necess ária, seria preciso, entende BRACHT (1999): ou complementar o conhecimento científico com a filosofia - opção que atribui a BETTI (1996) - ou trabalhar com um novo conceito de racionalidade, a qual "talvez não precise ser adjetivada de científica se nos livrarmos do fetiche da ciência moderna" (p.124). A racionalidade assim concebida buscaria estabelecer a ponte entre o fático e o normativo sem abdicar da pretensão à racionalidade para suas assertivas. Tal é, lembra BRACHT, o conhecido projeto de J. Habermas, o da razão comunicativa, cuja base é a superação do paradigma científico centrado na relação sujeito-objeto, a favor do paradigma da linguagem, base do conceito de razão comunicativa, na qual a linguagem não é mais mera forma de representa ção, e sim uma forma de ação.

Contudo, para BRACHT (1999), não se trataria de considerar supérfluo o conhecimento produzido a partir do interesse técnico pelas ciências empírico-analíticas, nem absolutizar o conhecimento produzido a partir do interesse prático pela ciências histórico-hermenêuticas, mas, sim de "reconhecer seus limites e possibilidades e reinterpretá-los, submetê-los ao outro critério, a uma racionalidade comunicativa" (p.125).

Concluindo suas reflexões, para BRACHT (1999), o debate epistemológico atual parece indicar, por um lado, a superação da racionalidade científica clássica ou predominante (originada na Física), e por outro um certo relativismo que desloca a racionalidade ao mesmo nível de outras "racionalidades" ou discursos acerca da realidade. As dificuldades e os movimentos aludidos "parecem indicar prudência no que diz respeito à reivindicação de adjetivar uma teoria da Educação Física de científica", embora indiquem também "prudência quanto à propensão de abandonar precocemente a pretensão da fundamentação racional da prática" (p.144).

BRACHT (1999), então, coloca em perspectiva os desafios que vê para uma teoria da Educação Física: articular organicamente os conhecimentos produzidos acerca do movimentar-se humano pelas diferentes disciplinas científicas; articular o conhecimento da realidade com uma visão prospectiva da realidade, portanto com uma visão de homem no mundo e sociedade (quer dizer, articular descrição com prescrição); e articular o saber conceitual com o saber prático.

 

Para além da educação física escolar

A ambição de eleger a prática pedagógica como objeto da Educação Física exige a ampliação da .resposta pedagógica. ensaiada por BRACHT para além dos muros escolares. Ao buscar conceber a Educação Física como prática pedagógica no âmbito da cultura corporal de movimento, e não a percebendo como restrita à escola, BETTI (2003) a define como .área de conhecimento e intervenção profissional-pedagógica, que lida com a cultura corporal de movimento, objetivando a melhoria qualitativa das práticas constitutivas daquela cultura, mediante referenciais científicos, filosóficos e estéticos. (p.150).

Por cultura corporal de movimento entende-se aquela parcela da cultura geral que abrange as formas culturais que se vêm historicamente produzindo, nos planos material e simbólico, mediante o exercício da motricidade humana. A motricidade humana é entendida, a partir de SÉRGIO (1987), como capacidade de movimento do ser humano para a transcendência2, e como agente e criadora de cultura. O conceito de qualidade ali incluído é valorativo, quer dizer, exige a opção por valores, entendidos estes como possibilidades de escolha (ABBAGNANO, 2000). Ao lado dos referenciais científico e filosófico, a dimensão estética é incluída por conta de BRACHT (1999), para quem uma educação crítica no âmbito da Educação Física, teria igual preocupação com a educação estética e com a educação da sensibilidade, o que significa dizer: 'incorporação', não por via do discurso e, sim, por via das 'práticas corporais' de normas e valores que orientam gostos, preferências, que, junto com o entendimento racional, determinam a relação dos indivíduos com o mundo" (p.54). Portanto, pode-se também adjetivar de 'pedagógica' a intervenção que a Educação Física leva a cabo como profissão, mesmo fora da escola.

Na escola, a Educação Física seleciona e problematiza temas da cultura corporal de movimento tendo em vista sua intencionalidade pedagógica (que decorre da escolha por determinados valores), aqui delimitada pela intenção de propiciar aos alunos a apropriação crítica3 da cultura corporal de movimento, associando organicamente o "saber movimentar-se", o "sentir movimentar-se" e o "saber sobre" esse movimentar-se, constituindo o que BETTI (1994) denominou saber orgânico. Tal deveria ser também a tarefa profissional-pedagógica da Educação Física em outros espaços sociais: auxiliar o sujeito no processo de mediação simbólica desse saber orgâni


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